Texto: Naíza Ximenes
Na encantadora vila de Jericoacoara (CE), famosa por suas belas praias e paisagens naturais, o escritório Mareines Arquitetura concebeu um espaço descrito como único e intrigante: o Restaurante Éllo.
O cliente, um amigo dos arquitetos e experiente cozinheiro, já tinha um hotel em Barra Grande, no Piauí, inspirado no kitesurfe. Em 2016, no entanto, escolheu Jericoacoara para abrigar seu novo projeto, devido à popularidade da região.
O estabelecimento fica no centro da cidade, em um terreno estreito e comprido, nas palavras de Ivo Mareines, um dos arquitetos sócios. Com quatro metros de largura por 50 metros de profundidade, o espaço apresentou desafios significativos para a implantação de uma proposta atrativa e ampla, de forma que fosse possível maximizar o espaço para as mesas sem causar uma sensação de lotação.
Ao definir o briefing, a ênfase recaiu sobre a criação de um restaurante gastronômico que se integrasse harmoniosamente ao local, respeitando a atmosfera única do Ceará. A necessidade de complementar o ambiente local, evitando excessos, foi fundamental.
Durante o projeto, os arquitetos consideraram não só os aspectos técnicos do terreno, como também a localização central — entre duas ou três ruas comerciais — e as dimensões desafiadoras. A proximidade com a praia e o ambiente de ruas arenosas, comuns na região, influenciaram a abordagem arquitetônica.
O objetivo era criar um restaurante que proporcionasse uma experiência ao ar livre, incorporando elementos naturais e permitindo que a atmosfera local permeasse o espaço.
A distribuição do restaurante foi pensada de forma a criar uma atmosfera acolhedora. À direita, um amplo banco multifuncional permite acomodar diferentes tamanhos de grupos. À esquerda, por sua vez, um bar espaçoso oferece aos clientes a oportunidade de desfrutar de refeições e coquetéis enquanto observam o processo de preparação. No fundo, ficam a cozinha e os ambientes de apoio.
Os materiais e revestimentos escolhidos foram os responsáveis pela abordagem criativa e inovadora do escritório, utilizando técnicas construtivas locais. A cobertura ondulada, feita de tábuas roliças de eucalipto e dispostas em ângulos curvos que lembram as dunas locais, é um dos destaques do estabelecimento. As laterais, por sua vez, foram preenchidas com toras mais finas, em desenhos angulares, permitindo a circulação de ar e eliminando a necessidade de ar-condicionado, presente apenas na cozinha.
Já o telhado foi construído com taubilha e forrado internamente com bambu trançado, evocando tradições locais. Há, também, um mezanino que amplia a área construída, com guarda-corpo de madeira da região.
Cimento queimado, pedra de Bali, cobre natural e plantas são outros elementos arquitetônicos combinados para criar uma estética rústica, mas sofisticada. O contraste entre esses materiais e o mobiliário mais refinado contribuiu para o sucesso visual do projeto.
“Arquitetonicamente, nós aproveitamos uma característica muito forte de Jericoacoara: as dunas”, explica Ivo Mareines. “Foi daí que surgiu a ideia de fazermos um teto ondulado, que também possibilitou a luminosidade adequada do restaurante, já que ele não tem recuo nas duas laterais. Essas laterais ainda ganharam plantas locais que proporcionaram uma riqueza muito grande ao ambiente”, completa.
Além de usufruir dos benefícios de uma arquitetura vernacular, o projeto também incorporou uma série de considerações ambientais, aproveitando a ventilação natural e criando um sistema de iluminação indireta, proveniente de pilares com luzes que refletem no teto ondulado.
A ventilação, projetada para ser natural na maioria do tempo, garante um ambiente confortável sem a necessidade de soluções tecnológicas complexas. “O restaurante funciona superbem, com uma ventilação natural, em 90% do tempo. Nós não usamos nenhuma tecnologia muito grande de sustentabilidade, simplesmente porque não precisava. Os elementos naturais do local fazem com que o projeto seja muito bem pensado, sem a necessidade de técnicas muito high tech ou muito caras para ser um ambiente agradável”, explica Matthieu Van Beneden, que também é arquiteto sócio.
A história completa do projeto, desde a concepção até a realização, desempenhou um papel crucial na conquista do prestigioso Prix Versailles 2020, na categoria Restaurante para a América Central, Sul e Caribe, conferido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). A colaboração bem-sucedida entre arquitetos e cliente, aliada à funcionalidade e beleza do espaço, contribuiu para a vitória.
“Além de analisar a arquitetura, eu acho que o Prix Versailles vê a história do projeto. Quando você tem uma história que funciona do início ao fim, onde o arquiteto e o cliente se dão bem e o resultado positivo é nítido, o próprio resultado é vencedor”, comenta Van Beneden. “A comida dele é maravilhosa, ele se encanta ao produzir e inventar, as pessoas que entram no restaurante vivem uma experiência incrível... ganhar esse prêmio é uma honra!”, conclui.
A premiação anual reconhece projetos comerciais em todo o mundo que promovem a arquitetura como um impulsionador do desenvolvimento sustentável, levando em conta seus impactos ambientais, sociais e culturais.
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