Texto: Naíza Ximenes
“Tem, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra por cima toda chá e muito cheia de grandes arvoredos, de ponta a ponta, é tudo praia palma, muito chá e muito formosa”, Pero Vaz de Caminha.
Foi assim que o cronista português (que acompanhava a expedição de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, em 1500) descreveu a Costa do Descobrimento, na Bahia, quando a viu. Considerada um marco importante na história brasileira — por ser um local de rica herança indígena, onde os portugueses desembarcaram pela primeira vez no país em 1500 —, a região ocupa a faixa litorânea de cidades como Porto Seguro, Arraial d'Ajuda, Trancoso e Santa Cruz Cabrália
Descrito como um paraíso terrestre, o local abriga o Hotel Kûara, projetado pelo arquiteto David Guerra.
Kûara, em tupi-guarani, significa Sol, a casa de Tupã. Como o nome já indica, toda a arquitetura do hotel foi idealizada para estabelecer uma simbiose com a natureza nativa, criando uma atmosfera de associação entre o lazer, a calmaria da Mata Atlântica no entorno e a leveza do Oceano Atlântico, separado do hotel pelos 200 metros de areia dourada.
Segundo o arquiteto David Guerra, o Hotel Kûara ganhou um estilo vernacular e moderno — ou seja, sua arquitetura acompanha a tradição local, as técnicas de construção da região e, sobretudo, a incorporação de elementos culturais e históricos de um grupo étnico.
“O briefing pedia um projeto contemporâneo, moderno e marcante, que sublinhasse o privilégio de ser construído em uma área de Mata Atlântica preservada”, explica Guerra. “As manifestações naturais, o som das ondas e pássaros, o aroma da vegetação, do mar e, claro, as inesquecíveis vistas do preservado litoral da Bahia foram tratadas como intocáveis”, continua.
Assim, na escolha dos materiais, não havia uma alternativa senão a madeira maciça para constituir a estrutura principal do hotel. A exploração da beleza do elemento em seu estado natural ainda foi complementada pela expertise de marceneiros discípulos do arquiteto Zanine Caldas, um grande artesão das madeiras que ajudou a moldar a arquitetura e o design brasileiros.
Passarela que integra área de lazer, área social e acomodações no Hotel Kûara
A madeira constitui desde o piso até o forro, paredes, colunas, venezianas, brises, painéis modulados e mobiliário, com espécies que incluem a madeira cumaru, a tatajuba, o ipê e a peroba. Bambu, fibras naturais, palha, vime, couro e pedras brasileiras completam a lista de materiais utilizados.
O acesso ao Hotel Kûara se dá pela recepção, onde o destaque é o grande painel de entrada, também desenhado por Guerra. “O painel é composto por uma malha de cumaru maciço e um belo detalhe em fórmica branca. O desenho está sempre pensando na obra como um todo, em especial, no fundo em fórmica vinho”, ele conta. A estrutura vazada utiliza a luz natural como um elemento lúdico e decorativo, criando uma contraposição estética diferente em cada momento do dia.
Seguindo adiante, sala de TV e descanso ficam à disposição dos hóspedes, bem como um lavabo revestido em pedras italianas. A proposta permanece a mesma: criar uma contraposição de cores entre a madeira, as paredes em um tom próximo ao vinho e o piso em um tom acinzentado.
O ambiente tem uma abertura que leva o hóspede ao restaurante, onde fica um dos destaques do projeto: as 130 luminárias produzidas artesanalmente por uma equipe de artesãos da região. O entorno é formado por portas de vidro de correr com caixilhos de madeira, que integram interior e exterior de forma sutil. As poltronas e os sofás da área logo após o espaço de refeições permitem ao visitante um desjejum também em atmosfera beira-mar (ou, neste caso, piscina).
Os painéis de madeira que constituem a cobertura em uma porção da área externa fazem a transição entre o espaço de café da manhã e a piscina. De um lado, as espreguiçadeiras ficam em uma parte rasa da água. De outro, o solário sobre o deck de madeira fica à disposição do público. A piscina, de 500 metros quadrados e formato em “L”, ganhou borda infinita, para proporcionar a sensação de conexão com o mar.
Partindo do solário, há duas opções: seguir na direção da piscina para a praia, conectada ao hotel, ou na direção da passarela de madeira, que leva às acomodações.
Ao descer os degraus do deck da piscina, os hóspedes se deparam com a fina areia da Praia de Pitinga, a 50 metros do oceano. Pensando na experiência litorânea, o arquiteto equipou o espaço com um bar, oito bangalôs, mesas para dez lugares, sofás e espreguiçadeiras.
“As luminárias do bar, rodas de fibra de coco com diâmetro de um metro, são permeáveis em dois sentidos”, explica a equipe responsável pelo projeto. “À noite, a trama da fibra permite que a luz se espalhe tanto por baixo quanto na lateral, fazendo uma bonita composição espacial de iluminação sobre o salão.”
Instalações para os hóspedes na Praia de Pitinga
Voltando ao solário, seguindo pela passarela de madeira, o guarda-corpo (também de madeira) conduz os visitantes às acomodações em uma trama de diferentes sentidos, criando um jogo de volumetria arquitetônica no Hotel Kûara.
O Hotel Kûara possui 46 quartos disponíveis no total, que podem ter entre 35 e 69 metros quadrados. As passarelas de madeira sobre um caminho de pedras levam os hóspedes a uma série de bangalôs, onde ficam os apartamentos — todos com suíte e varanda.
Há, ainda, outros quatro alojamentos super-luxo, de 139 metros quadrados. Eles ficam em uma espécie de vila, separados das outras acomodações, e têm varanda com ofurô e mesa para dez pessoas, além de dois sofás de balanço; sala de estar; cozinha equipada; lavabo; e suíte.
O hotel ainda conta com duas quadras de tênis, academia, lavanderia e um spa, em um edifício independente, que possui quatro salas de massagem.
“Talvez não haja termo mais expressivo e conciso para designar o significado do Hotel Kûara, a não ser um santuário privado”, conclui Guerra.
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