De um simples sobrado centenário, localizado no privilegiado bairro dos Jardins, em São Paulo, surge Ao realizar um estudo de viabilidade, descobrimos que para preservar o imóvel original seria necessário entrar com uma estrutura metálica sobre a de concreto existente. Brincamos que a gente desconstruiu a casa para reconstruí-la depois de outra forma Thiago Rodrigues uma atraente construção voltada para o nicho comercial. “A Marília é uma sobrevivente, uma das poucas que sobraram nessa região. A decisão de mantê-la – em vez de demoli-la – reflete o fato de a construção ter um passado de reformas e, implícita ou explicitamente, as intervenções fazem parte de sua história”, conta Lula Gouveia, arquiteto e engenheiro do escritório SuperLimão Studio, responsável pela obra.
Se a questão fosse tratada apenas pelo lado financeiro, talvez fosse mais econômico demolir e construir a casa inteira, do zero, expõe Thiago Rodrigues, arquiteto do SuperLimão Studio. “Mas também havia uma questão legal de metragem, de direito adquirido. A demolição implicaria em ter de adequar a nova construção aos recuos da região. E perderíamos uma parte da metragem existente”, revela.
Thiago explica que a casa carecia de valor arquitetônico, mas existia um potencial a ser explorado. “Ao realizar um estudo de viabilidade, descobrimos que para preservar o imóvel original seria necessário entrar com uma estrutura metálica sobre a de concreto existente. Brincamos que a gente desconstruiu a casa para reconstruí-la depois de outra forma”.
Assumir o que já existia, valorizar o que estava bom e implementar o novo – desde os materiais até a técnica – definiu o partido com uma arquitetura bem brasileira, que tira máximo proveito das técnicas passivas de energia e da história da antiga casa ajardinada. “Todos os ambientes dão acesso a um terraço direto. Então, mesmo sendo agora um escritório, o prédio continua com cara de casa”, reflete Lula. A possibilidade de oferecer um layout flexível, com salas independentes para serem locadas em conjunto ou individualmente foi estudada no projeto desde o início. Assim, piso elevado, iluminação e shaft de instalações recheiam toda a infraestrutura de um pequeno, mas moderno edifício comercial. Para isso, os arquitetos adequaram o espaço supercompartimentado – originalmente com dois andares – a quatro pavimentos. “Tudo aconteceu quando tiramos a edícula e o terraço. Nesse momento a edificação deixou de ser uma casa e virou um predinho”, revela Lula. E o melhor: a construção é pensada para ser 100% acessível, com elevador que liga todos os andares. “Era uma premissa do cliente, para favorecer a liquidez de locação em todos os nichos”, explica Thiago.
Seguindo as recomendações do proprietário, um engenheiro mecânico superdetalhista, Thiago e Lula implementaram uma estrutura metálica aparafusada de complexa implantação. “Tínhamos uma margem de erro de 2 centímetros para entrar com essa estrutura em uma frágil obra construída há 100 anos, com paredes tortas”, detalha Thiago. Isso exigiu cálculos milimétricos para a construção não ruir. A começar pelo suporte às paredes. Por ser quase toda externa, a estrutura funciona como um exoesqueleto, com pouquíssimos pilares internos e vigas que atravessam as paredes. Leve e pré-fabricada, ela é montada na obra, agilizando o processo. “Por exemplo, para tirar o telhado, criamos uma viga de borda – caso contrário as paredes cairiam. A viga precisava ser forte o suficiente para segurar a casa, embora, de forma contraditória, em um segundo momento, teríamos de quebrá-la, porque ela ficava no meio de uma passagem. Então, se ela fosse muito forte, a casa poderia vir abaixo”, conta. A solução chegou a partir de uma técnica egípcia inusitada. Pedaços do madeiramento do telhado – a madeira peroba-rosa, extremamente resistente – foi concretada na viga. Na hora de partir a viga, jogou-se água na madeira que, hidratada, inchou e partiu a viga.
Enquanto a “desconstrução” acontecia, os arquitetos se depararam nas escavações com várias novidades pelo caminho: foram surgindo pisos sobre pisos de vários períodos e outros materiais antigos empregados na construção, dando pistas do histórico das reformas vivenciadas. “Guardamos tudo isso e utilizamos posteriormente na nova obra”, revela Thiago.
No processo de reconstrução, a casa inteira foi descascada; o telhado e os gradis, removidos; as janelas, restauradas; a escada proveniente da segunda reforma permaneceu; a porta de entrada comum – interessante arco de tijolo – mudou para o outro lado. “Foi um retrofit total. Literalmente desmontamos a casa, subimos uma nova estrutura e guardamos o material que valia a pena preservar”, conta Lula.
O reaproveitamento seguiu a trilha da criatividade. As velhas telhas foram quebradas em caquinhos Foi um retrofit total. Literalmente desmontamos a casa, subimos uma nova estrutura e guardamos o material que valia a pena preservar Lula Gouveia e usadas como revestimento de piso na garagem. Os vitrais quebrados ganharam substitutos. As grades foram transformando-se em suporte de vaso nas paredes. Pedaços de piso viraram uma pia. Tijolos forjaram novas paredes; o assoalho de madeira com nova paginação compõe o novo piso. O madeiramento do telhado e assoalho figuram na estrutura nova e em parte do mobiliário, como a porta da entrada, por exemplo, formada com as tersas do telhado. “Tudo ficou superinteressante, pois cada lugar tem uma história”, resume Thiago. Agora, reformada, a fachada de tijolos aparentes combinada a uma estrutura metálica exposta, com janelas e portas envidraçadas, chama a atenção dos transeuntes e sinaliza uma construção com amplo leque de possibilidades. Entre os materiais novos destacam-se a estrutura metálica, a caixilharia de vidro e piso elevado de concreto pré-moldado – com apelo sustentável, pois tem entulho em sua composição.
As paredes feitas com tijolos largos oferecem naturalmente uma inércia térmica muito boa, deixando o ambiente bem controlado, que praticamente dispensa o uso de ar-condicionado. Nos pavimentos superiores, formados por caixas de vidro, há um ganho térmico. “Projetamos vidros que se abrem, correm ou são basculantes. A intenção é ter ventilação cruzada eficiente”, conta Lula Gouveia. Mas o histórico sustentável da reforma transcende a fase de projeto e execução, uma vez que, entre outras soluções, todos os terraços e coberturas captam água para lavagem do terraço e jardins.
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