Há mais de 150 anos, cerca de 50 famílias de quilombolas e caiçaras vivem nas reservas florestais que permeiam a região litorânea de Ubatuba (SP). Em meio a um denso pedaço da Mata Atlântica, mais especificamente no Núcleo Picinguaba – um dos dez núcleos do Parque Estadual da Serra do Mar –, está o Centro Comunitário Cambury. Construído pelo escritório CRU! architects em parceria com a ONG belga Bamboostic, o projeto oferece ambientes para reuniões, atividades escolares e eventos para as comunidades locais.
A premissa era unir a arquitetura com o contexto histórico, emoldurados em belas edificações de bambu e terra. Para que tudo saísse conforme o desejado, os profissionais contaram com a ajuda e a participação das famílias que residem no local. A obra também teve o apoio do Instituto Florestal e da Prefeitura de Ubatuba.
A projeção do Centro Comunitário Cambury começou em 2004, mas com o passar dos anos foram feitos alguns ajustes para ampliar o complexo e comportar toda a população, que cresce a cada ano. “O CRU! ofereceu assistência técnica e financeira para as obras. Porém, foram os moradores que decidiram todo o conteúdo e programa, mesmo com algumas construções sendo realizadas em diferentes épocas”, revela o arquiteto Sven Mouton.
A comunidade optou primeiramente pela fundação do edifício administrativo, que era apenas um espaço para reuniões. Os anos seguiram e este setor ganhou uma escola de surf e música, uma sala de informática, uma biblioteca, um pátio para a pré-escola, um compartimento para armazenamento dos instrumentos de construção e pranchas de surf e o escritório da associação, onde são realizados vários eventos.
Depois de um tempo, em 2016, as famílias desejaram construir uma padaria e uma cozinha comunitária – o intuito era empregar as mulheres da aldeia e oferecer o cardápio local da comunidade para moradores e visitantes. Para isso, a ONG Bamboostic enviou Reintje Jacobs, uma jovem arquiteta belga, para projetar e liderar esta construção ao lado dos arquitetos do CRU!, que são especializados em estruturas de bambu e terra.
Um detalhe interessante é que a intenção da ONG era treinar os nativos para serem construtores de bambu, uma profissão com grande potencial na região. Com isso, o projeto conseguiu tanto oferecer treinamento educativo quanto melhorar a infraestrutura comunitária ao redor do centro. Os membros da comunidade que foram treinados são frequentemente contratados para construir estruturas de bambu nas cidades e vilas vizinhas.
O Centro Comunitário Cambury foi projetado para ser totalmente ecológico. Sua estrutura se resume em aproximadamente 500 toras de bambu, cerca 1.300 garrafas PET, taipa e adobe – técnica construtiva que molda o tijolo cru em formas de madeira, a partir das quais o bloco de terra é seco ao sol, sem que haja a queima do material.
O complexo foi orientado na direção do mar para receber boa ventilação, já que está localizado a 50 metros de terra para dentro da praia. Segundo Mouton, o telhado foi bastante elevado para evitar o uso de paredes perpendiculares que bloqueassem o fluxo de ar no interior. A medida proporcionou uma eficiência térmica ideal aos ambientes internos.
“Quando a temperatura está mais quente e úmida, as velocidades mais rápidas do vento trazem um efeito positivo ao bem-estar das pessoas. A altura do edifício realiza o efeito bouyoncy, quando o ar novo entra, é aquecido e sobe pelo teto para ‘escapar’, portanto o projeto prevê que ambos os lados laterais se abram”, conclui o arquiteto.
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